Oct 31 2008
Os governos sul americanos e o software livre
Via NorthxSouth, fui remetido para um interessante artigo do jornal espanhol Público sobre o uso de software livre na América Latina. Neste artigo podemos ler o seguinte sub-título: «Los Gobiernos suramericanos impulsan el uso de software libre frente al propietario buscando independencia tecnológica, seguridad y desarrollo local» (em português, é algo como «Governos Sul Americanos preferem o software livre ao proprietário para conseguirem independência tecnológica, segurança e impulsionarem o desenvolvimento local»). O importante a reter é as razões para a escolha do software livre: segurança, independência e impulso do desenvolvimento nacional, isto é, tudo aquilo que em Portugal não se faz. Interessante, não é? Não, é apenas triste, porque cá não temos ninguém com a visão necessária para perceber isto e começar a apostar apenas em software livre. Estamos tecnologicamente dependentes, não estamos seguros porque a natureza do software proprietário é o oposto da segurança (não há segurança quando não podemos ver o que determinada aplicação realmente faz; confiança cega não é segurança, é apenas estupidez) e, com estes acordos, estamos longe de ajudar a economia a crescer sozinha - uma economia que cresce apoiada numa bengala cai assim que a bengala é tirada.
Vejam o Brasil, por exemplo. Nos últimos anos, este país tem crescido a olhos vistos. Tecnologicamente, é bastante avançado. E sabem em que é que apostam maioritariamente? Em software livre. Coincidência? Não! Eles sabem o que estão a usar e estão a adaptar e desenvolver soluções à medida das necessidades dos cidadão; ainda agora usaram software livre nas máquinas de votos e todos os partidos puderam analisar o código do software. Para além disso, existe justiça tecnológica porque qualquer pessoa pode adaptar uma aplicação, pode fazer um fork, pode estudá-la e pode distribuí-la. Não é só dar jeito ter o código à vista, é ser justo e respeitar todos - programadores e utilizadores. Ninguém está dependente de ninguém e existe transparência. Podem chamar-lhe democracia tecnológica, se preferirem. O oposto, ou seja, o uso de software proprietário, é uma ditadura tecnológica, algo a que me parece que vocês não se querem submeter - conscientemente, pelo menos.
Quando veremos Portugal como um exemplo na implementação e uso de software livre? Acho que mais depressa vejo o Cascos de Rolha de Cima [1] ganhar o campeonato de futebol que vejo Portugal servir de exemplo neste campo. Desculpem, mas é o que penso. Inverter esta dependência tecnológica, que eu comparo à dependência das drogas pesadas, e esta falta de visão, não é fácil, muito menos quando há concursos públicos que parecem favorecer empresas de software proprietário. Se não acreditam, vão até ao Software Livre no Sapo; lá, estão alguns destes casos expostos. Gosto tanto deste país como qualquer um de vocês, mas neste ponto não tenho problema nenhum em dizer que tenho vergonha de Portugal. Enquanto uns começaram a acordar para a vida, nós estamos a dormir que nem uma pedra.
Dou-vos mais um exemplo de um país que não está a dormir: a Alemanha. O Ministério dos Negócios Estrangeiros do Governo alemão decidiu migrar 11000 desktops para o GNU/Linux. Por enquanto, apenas 4000 usam este sistema operativo e o ministério já apresenta uma poupança de 66%. De acordo com o antigo responsável das TI deste Ministério e actualmente um dos diplomatas na embaixada alemã em Espanha, Rolf Schuster, cada desktop dos Ministérios que não usam software livre tem um custo anual que ronda os 3 mil euros, ao passo que os desktops do Ministério dos Negócios Estrangeiros que usam software livre custam, cada um, perto de mil euros (por ano). É uma poupança bastante grande, mas isso não é o mais importante. A independência tecnológica conseguida, a segurança obtida por saberem exactamente o que o software está a fazer - é livre, é impossível não saber o que ele faz - e a possibilidade de adaptar o software às necessidades específicas de cada Ministério são a grande vantagem de usar software livre.
Algum de vocês compraria um livro que viesse selado com um cadeado e que não pudessem legalmente abrir? Confiar-me-iam os dados da vossa conta bancária, a vossa casa ou o vosso carro? Então porque fazem isso com o software que usam no vosso computador? Não se esqueçam que o computador é vosso e só vocês é que mandam nele. Ao usar software proprietário perdem esse controlo; deixam de mandar no computador e passam a sujeitar-se à vontade de terceiros; estão a subjugar-se; ficam com algo que pagaram e não é vosso. Para mim, isso é mau negócio. Está na altura de dizerem «Aqui mando eu, carago!», e para isso só têm que usar software livre. O Brasil mudou; a Alemanha está a mudar; a Espanha também; a Venezuela, idem aspas. De que é que estão à espera?
Depois de escrever o primeiro rascunho deste texto enviei-o ao João Matos para que ele lhe desse uma leitura. Ele sugeriu-me que apresentasse algumas soluções neste texto, porque dizer mal todos dizem. Ora, dizer mal é uma das minhas grandes qualidades; já o mesmo não posso dizer da apresentação de soluções. Apesar disso, fiz um esforço e criei uma pequena lista de soluções, e desafio-vos a ajudar-me a aumentá-la.
A minha pequena lista de soluções para o problema do software proprietário em Portugal é:
- procurar junto das universidades parceiros para o desenvolvimento de aplicações livres para as instituições públicas;
- procurar junto das empresas nacionais parceiros para o desenvolvimento de aplicações livres para as instituições públicas;
- utilizar apenas software livre nas instituições públicas (repartições de finanças, Assembleia da República, escolas e hospitais públicos, etc).
- usar apenas formatos abertos para os documentos e comunicações;
- parar, de vez, de fazer parcerias com empresas que desenvolvem software proprietário;
- não permitir a entrada de software proprietário em concursos públicos;
- dar preferência de sistemas livres nos computadores que são comercializados (pelo menos até o software proprietário ser erradicado do país);
- incentivar as empresas a desenvolver software livre;
[1] eu não faço ideia se esta localidade existe ou não. se existe, os seus habitantes que me desculpem o uso da sua localidade para fazer uma ilustração algo exagerada - contúdo, correcta - de um ponto de vista